sábado, 28 de maio de 2011

A reorganização das famílias pós-divórcio: um olhar sobre o cotidiano.

Na próxima semana entrego meu projeto para a realização dos grupos com pessoas que passaram pelo divórcio para a banca do doutorado. A partir daí, começa o trabalho de campo, ou seja, o grupo propriamente dito. Vai ser muito bom estar com a mão na massa de novo! Para vocês terem uma pequena ideia do projeto, abaixo postei um pedacinho de um capítulo. Espero que gostem.
Bom fim de semana para todos!



A reorganização das famílias pós-divórcio: um olhar sobre o cotidiano.
O divórcio implica em uma reorganização da vida em todos os seus âmbitos. Desde os mais práticos até os mais simbólicos. A reorganização da vida doméstica, social, afetiva, sexual, parental, as relações com as famílias de origem, etc., indica que o divórcio não pode ser entendido como um episódio na vida pessoal ou mesmo familiar de alguém, mas como um processo que envolve uma rede de relações e afetos, além de novas organizações pragmáticas cotidianas.
A reorganização da família pós-divórcio é um processo que desalinha e embaralha a convivência habitual e esperada entre homens, mulheres, pais e filhos. As áreas ou temas que mais se destacam nas discussões, conflitos ou tensões após o divórcio tem sido a convivência entre pais e filhos, através das questões de guarda, visitação, responsabilidades e decisões e o dinheiro, seja relacionado aos filhos também, seja em relação à partilha de bens. Filhos e dinheiro são as áreas que continuam exigindo que o casal mantenha uma troca, uma relação quase cotidiana após a separação. Dependendo da idade dos filhos, da condição econômica da família, da forma como estava organizada a situação do casal enquanto casado, há diferentes necessidades e formas de organizar essas áreas e essa convivência pós-separação. Por outro lado, como são exatamente os vínculos que permanecem entre o ex-casal, muitas questões de outros aspectos da relação só encontram possibilidade de aparecerem direta ou indiretamente através desses temas. Assim, questões relativas à convivência entre pais e filhos podem sofrer mudanças significativas dependendo da presença de novos parceiros dos pais e acordos financeiros e partilhas podem ser afetados por desejos de indenização que são originados por outros temas da relação. Enfim, dinheiro e filhos são os cenários onde desembocam praticamente todas as outras questões da relação do casal. Também a reorganização da relação entre os pais e filhos, dependendo da idade deles é atravessada de formas diferentes por todas essas e outras questões, algumas já existentes durante o casamento.
Mesmo sendo cada vez mais comum, o grau de tensão e sofrimento envolvido não pode ser subestimado. Além disso, a separação nem sempre reduz o conflito conjugal, razão pela qual, em geral, acontece. Muitas vezes o conflito permanece ou mesmo recrudesce, reeditado nos embates sobre guarda, convivência entre pais e filhos, pensão e partilha de bens que tornam todos os membros do sistema familiar reféns crônicos de litígios intermináveis.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

É conversando que a gente se entende...

Cada vez mais tenho essa convicção. Não falo daquela conversa que ficou famosa nos anos 80/90, que bebia nas fontes de uma extrema psicologização da vida, da educação dos filhos e da vida em casal. Não falo daquela conversa em que o mais importante é falar, se expressar, verbalizar...palavra que ficou na moda. Não é dessa conversa que falo. Falo do que conhecemos por diálogo e que como tenho percebido e vivido, envolve alguns exercícios muito difíceis. 1) Falar de uma forma que o outro consiga ouvir. 2) escutar o outro como você gostaria de ser escutado. 3) ter a proposta de tentar conviver, ao menos durante o tempo do diálogo, com a possibilidade de existirem concomitantemente muitas versões do mesmo acontecimento sem ter que decidir por uma. Esses são os básicos, para começar. Vejo que quando propomos um diálogo, todos pensam em falar. É só em um segundo momento que pensamos em escutar. E, que efeito tem no outro e em nós mesmos, escutar e se sentir escutados. Aplaca o coração.
Vivemos em uma sociedade em que o outro é sempre uma ameaça. Cada vez mais nossas leis, nossa mentalidade mais cotidiana transforma o outro em alguém mal intencionado que pretende me machucar, me invadir, etc. Não queremos ouvir, queremos nos defender. As situações de conflito, sejam elas na vida cotidiana das pessoas ou interglobais, são vistas em termos de ataques e defesas, uma justiça muito próxima à vingança.
Tenho tentado refletir sobre isso e sobre como ficamos tão impregnados dessa mentalidade que nem percebemos. E, como podemos propor outras formas de lidar com conflitos e diferenças, que tenham mais semelhança com diálogos, com incluir a possibilidade de que o outro não seja nosso inferno, como diria Sartre, mas nossa abertura para o mundo além de nossos umbigos.
Em uma situação como o divórcio em que tentamos lidar com perdas, é claro que é muito difícil pensar na perda do "antagonista". Claro que a minha perda é mais importante. Porém, se existe algum espaço para refletir sobre as perdas de modo geral, talvez as possibilidades de negociação e convivência sejam mais ampliadas.
Bons diálogos e bom fim de semana para todos!

domingo, 8 de maio de 2011

Conciliando as novas formas com queridas tradições: quem se atreve?

As separações desalinham os formatos habituais de parentesco em nossa cultura. Pai, mãe, filhos já não estão sempre juntos. Madrastas, padrastos, irmãos de várias combinações de pais e mães, o fenômeno da multiplicação dos avós... São novas formas de conviver em família. O difícil para todos é quando tentamos enquadrar as novas formas dentro das antigas. Ou qualquer das nossas atitudes que não tenham a flexibilidade necessária para acompanhar e criar novas formas de convivência. Temos apego ao que conhecemos. Temos medo daquilo que nos é estranho. Rituais, datas comemorativas tem o sabor da tradição, da repetição daquilo que já sabemos e que nos dá segurança a cada passo. Porém, às vezes as tradições são subvertidas e temos novidades em nossa família. Novos apegos de nossos filhos, novas rotinas também. O fim de semana do pai cai no dia das mães... É tudo encaixadinho com o fim de semana dos filhos da nova mulher do pai, madrasta que, óbvio vai ficar com os filhos e adoraria ficar com os enteados. Afinal, ela também faz o papel de mãe. Enfim, apenas um pequeno exemplo de situação corriqueira, mas que nos exige flexibilidade. Podemos entrar no clima de disputa, ou quem sabe favorecer novas conversas e quem sabe criar realmente novas e surpreendentes formas de convivência. Quem se atreve?
Desejo que mães, pais, filhos, avós, madrastas, padrastos tenham tido hoje um bom dia. Um dia de reconhecimento de todo o valor que tem. Um dia de reconhecimento do quanto uma andorinha não faz verão e que para criar uma criança feliz, ou melhor famílias mais felizes, em conjunto, em rede, é muito melhor e mais fácil para todos.
Boa noite!

terça-feira, 3 de maio de 2011

A casa ninho. Nova proposta de guarda?

Recebi essa notícia. O link para a notícia original está abaixo. O que vocês acham???

Espanha: Juiz ordena que pais se revezem a cada três meses na casa da família.
Um juiz determinou que um casal divorciado e com dois filhos a se revezar no uso de sua casa da família em Sevilla a cada três meses . O juiz concedeu a custódia conjunta com a obrigação de viver de acordo com mudanças de casa, para priorizar os interesses das crianças. É a primeira sentença que impõe esta solução salomônica que envolve dificuldades práticas, entre outros, tem que ter três casas . A fórmula pode romper com as leis que regem a custódia em diferentes regiões. O que é surpreendente é que este modo de vida impostas aos ex-cônjuges sem acordo entre eles, o que alguns especialistas consideram que é muito controverso. Esta solução chamada "casa-ninho" implica em um nível salarial semelhante dos pais. A mãe se opôs à guarda conjunta, mas o juiz, após análise do Ministério Público e da equipe psicossocial, deu esta solução questionada por alguns por seus inconvenientes práticos e tensões familiares que pode gerar.
"Tanto o pai como a mãe têm recursos pessoais, familiares e comunidade para cobrir adequadamente as necessidades materiais e emocionais dos seus filhos", reflete o juiz de família governante Francisco Serrano, a Europa Press noticiou ontem. O juiz concordou que cada cônjuge pode cobrir os gastos com alimentos para seus filhos através de uma conta conjunta com 250 € por mês. Serrano afirma no comunicado: "Hoje não se pode concluir, a priori, que só as mães podem se preocupar com seus filhos e dispensar a eles os cuidados materiais e afetivos de que necessitam. Se faz necessário superar o preconceito de gênero, priorizando o interesse das crianças ".
as vozes que divergem da decisão do juiz, alegam que esse arranjo é uma fonte sem fim de conflitos na família e se inviabiliza caso algum dos ex-cônjuges venha a se casar de novo.Outros consideram que é uma forma de "tortura" que ao longo do tempo força os pais a tentarem entrar em um acordo para mudar a situação. Pode ser uma situação apenas transitória.

domingo, 1 de maio de 2011

A culpa é sua!

Vivemos em uma sociedade em que o binômio culpado/vítima tem sido muito valorizado. Parece que todos os problemas que aparecem em nossa vida cotidiana poderão desaparecer ou ter alívio se pudermos enquadrá-lo neste formato. Além disso, temos cada vez mais à nossa disposição dispositivos que nos auxiliam a punir o culpado e assim tentar reparar o dano que nos foi feito ou feito a alguém que nos é caro. A Justiça tem feito seu papel e, nas questões sociais e familiares nunca se viu tamanha explosão de possibilidades de reparar danos e punir. Abandono afetivo, alienação parental, bullying são vistos com o óculos do culpado/vítima. São medidos em termos de punição.

As leis de divórcio, desde os anos 70, pelo mundo todo vem possibilitando um formato conhecido por "consensual", ou "sem culpa". O que quer dizer isso? Que, você pode querer se separar de seu cônjuge, sem que para isso, como vigorava na maioria das legislações anteriores, tenha que declará-lo culpado de algum motivo previsto na lei (adultério, insanidade, abandono de lar, etc.) Para alguns autores, as leis de divórcio que permitem pedir uma separação com base no desejo dos dois cônjuges de não mais continuar com o casamento foi um dos principais motivos para o crescimento estrondoso das taxas de divórcio nas últimas décadas.
No entanto, o movimento recente chamado por alguns de "judiciarização a família", regula cada vez mais a vida familiar e a convivência cotidiana. Além disso, vemos que esses dispositivos que são produzidos para proteger pessoas que necessitam de proteção, acabam banalizados. Tal banalização, acaba por inutilizar a própria lei, já que ela vira um recurso de disputa e vingança mais do que algo que possa cuida e proteger, especialmente as crianças e adolescentes.
Uma coisa que chama a atenção é que em nenhuma dessas leis ou dispositivos legais para lidar com os conflitos familiares, existe qualquer recomendação, incentivo ou coisa que o valha, para o diálogo. Não há recursos em nenhuma dessas situações onde, antes da pessoas começarem a disputar legalmente quem está certo, quem é o culpado, elas possam conversar. O sofrimento, a mágoa, os equívocos de toda ordem são encaixados em quem paga e quem ganha. E, assim, as famílias continuam suas vidas. Para a Justiça, com a situação "resolvida". E, para eles....